Ruy Martins Altenfelder Silva
Mais do que um jogo de palavras, o título acima traduz à perfeição o papel da educação na construção da sustentabilidade. Ainda encarada por muitos como palavra da moda ou um conceito vago, a sustentabilidade ganha espaço como a bússola que deve orientar uma nova ordem social, fundada na solidariedade, na democracia e na ética.
Em recente artigo, e ainda emocionada por ter representado o Brasil no grupo de seis personalidades mundiais escolhidas para carregar a bandeira olímpica na abertura dos Jogos de Londres, a ex-senadora Marina Silva faz uma pergunta retórica para responder às manifestações de descrença no futuro: a utopia, que moveu os séculos passados, não fará parte da herança das novas gerações neste novo e incerto tempo?
Marina vê no grande evento esportivo mundial não a competitividade cega, da vitória a qualquer preço, mas o grande exemplo de que sempre há lugar para o imprevisível e para a convivência na diversidade. O que torna sempre possível “superar e agradecer, respeitar e reverenciar a todos, começando pelo oponente, e encontrar no meio do conflito o essencial que nos une”. Na fraternidade, “na comunhão da vida”, a ex-senadora identifica o fundamento ético de um mundo sustentável, no qual predomine a harmoniosa relação entre as pessoas e destas com o meio ambiente. É a ética – esse valor que, felizmente, vem reconquistando posições na sociedade – que baliza a convicção de que depende de cada um e de todos a construção de um futuro melhor e mais justo para o mundo, inclusive para os brasileiros, cuja História é marcada por séculos de profundas desigualdades. Mas para que a certeza se transforme em realidade há um longo caminho a percorrer.
Sexta economia mundial, que entrou em 2012 com um produto interno bruto (PIB) de US$ 2,7 trilhões, ocupando a 84.ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre 187 países e o 53.º lugar no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês) entre os 65 países que participam da pesquisa – esses são os grandes traços do perfil do Brasil de hoje, detentor de uma das mais ricas biodiversidades do mundo, de invejável potencial hídrico para produzir energia com reduzido impacto ambiental, de terras e clima propícios à produção agrícola para abastecer o mercado interno e gerar apreciáveis excedentes para exportação. Mas as crescentes estatísticas de importação de cérebros estrangeiros e as vagas de emprego atraentes que permanecem durante meses em aberto evidenciam a urgência de medidas para formar o capital humano com a qualificação necessária para os novos tempos. Caso contrário, os brasileiros – em especial os pertencentes às camadas menos favorecidas da sociedade, apesar da recente ascensão das classes C, D e E – correm o risco de não se beneficiar da atual fase de crescimento econômico, depois de amargarem várias décadas de estagnação. Uma ameaça que paira principalmente sobre a força de trabalho jovem, hoje sofrendo uma elevada taxa de desemprego, que chega ao dobro da média nacional e é causada pela educação formal ruim e pela falta de experiência profissional.
Não importa que rota se escolha para tornar viável a exploração racional e sustentável das potencialidades nacionais, ela necessariamente terá como ponto de partida e principal fundamento a educação. Esse é o maior abismo que o País deve transpor. Não é possível imaginar um ciclo de desenvolvimento social e econômico sustentável num país em que perto de um terço dos jovens chega à universidade com conhecimentos insuficientes de Português e Matemática. Ou em que 1,8 milhão dos 4 milhões de crianças que iniciam o ensino básico desistem da escola antes de concluir o nível médio.
A solução para as mazelas da educação não está concentrada apenas na quantidade de matrículas e de acesso – até porque o ingresso numa faculdade não tem o condão de corrigir graves deficiências acumuladas em 12 anos de aprendizado básico de má qualidade. O grande desafio está em conciliar quantidade com qualidade, numa receita que deverá ser temperada por uma boa dose de noção da realidade e bom senso.
Será mesmo que a formação pessoal e profissional das novas gerações passa necessariamente pela universidade? A complexidade da vida moderna e a experiência de vários países, entre outros sinalizadores, apontam que uma alternativa seria diversificar as opções oferecidas aos jovens, a exemplo das escolas técnicas e tecnológicas de curta duração, ou o modelo de formação em vários níveis que algumas universidades daqui vêm adotando, inspiradas no sistema norte-americano e de instituições europeias.
O Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), que há quase meio século apoia o estudante na delicada e estratégica transição da escola para o mundo do trabalho, tem uma privilegiada posição como observador dos efeitos desastrosos da má qualidade da educação. Diariamente participa da avaliação de centenas de jovens que são eliminados em processos seletivos para vagas de estágio e aprendizagem por não apresentarem as habilidades mínimas sequer para iniciar o processo de capacitação profissional em ambiente real de trabalho. Essa deficiência se deve mais à falta de oferta de oportunidades eficazes de aprendizado do que ao desinteresse do jovem, tanto que os 35 cursos de nosso programa gratuito de educação a distância registram quase 2 milhões de matrículas em sete anos de funcionamento. E 1,1 milhão de jovens passou pelos nossos cursos e oficinas presenciais de desenvolvimento estudantil e profissional.
Como a experiência mostra, o nó na boa formação das novas gerações não está na carência de matéria-prima para formar um bom capital humano, mas na fragilidade e na inadequação da política educacional.
Fonte: Estadão