Todos os países desenvolvidos aspiram ter a primeira cidade alimentada unicamente por energias renováveis para aumentar os níveis de conforto do meio ambiente e de saúde. Já existem algumas na Europa, América e Austrália às portas de consegui-lo
Isabel Martínez Pita / Agência EFE
A cidade sueca de Malmo foi uma das que já se transformou em referência mundial de recuperação urbanística sustentável. Além disso, existem cidades como Copenhague que deve ser, em 2025, a primeira alimentada por energia eólica e com veículos que funcionem com eletricidade ou hidrogênio.
A pequena cidade portuária de Frederikshavn, na Dinamarca, quer ser, no ano de 2015, a primeira cidade no mundo cem por cento de energia renovável, mediante energia eólica, solar, biogás e reciclagem de resíduos.
Na Austrália, a cidade de Adelaide prevê a neutralidade de carbono para o ano de 2020, enquanto Newcastle, na Grã-Bretanha, tem como meta ser sustentável até 2025.
A cidade americana de Phoenix, no Arizona, espera uma redução de 70% nas emissões de gás para os próximos anos e, dessa forma, se transformar na primeira cidade americana “zero carbono”.
Ideias originais, com grandes projetos
Embora estas metas estejam distantes, já se começaram a instalar sistemas de energias limpas para grandes áreas de população. Muitas delas participam de programas urbanísticos voltados para se conseguir cidades sustentáveis. Além da economia de energia necessária, fatores como saúde e higiene começam a ser questões de urgência.
Nestes projetos tem muito que ver a arquitetura e o modelo de casas que garantam o maior aproveitamento de energia, pois de pouco serve instalar placas solares ou usar a energia de resíduos se paredes, janelas e o modelo da construção não é o apropriado.
Os arquitetos Rosa Cervera e Javier Pioz se dedicam há mais de duas décadas à construção de prédios inteligentes nos quais se aproveitam as energias limpas e se cuida para que o modelo não seja apenas prático, mas também sustentável e agradável.
Cervera e Pioz começaram a trabalhar neste campo no ano de 1984, na Universidade da Colômbia, uma corrente herdeira da que nasceu na Rússia e nos Estados Unidos nos anos 60 que se chamou biônica. A biônica analisa seres vivos para conhecer seu funcionamento e aplicar esse engenho no campo da indústria.
Na arquitetura Rosa e Javier são pioneiros em aplicar as técnicas biônicas. “Nós observamos como a natureza constrói e, uma vez que temos esse conhecimento, o extrapolamos para nossos edifícios. Todos os seres vivos têm uma máxima que é economizar material e energia. Como a natureza não pode fabricar grandes colunas de metal nem concreto recorre, com muito pouco material, a geometrias muito peculiares que são muito eficientes e resistentes. Com essa filosofia o que desenvolvemos em nossos prédios são estruturas que têm geometrias diferentes das comerciais, além disso, economizamos material de construção e somos sustentáveis”.
Curiosos mecanismos que funcionam de forma natural a fim de reservar e preservar a energia como os utilizados pelas flores que se abrem de dia para receber a energia do sol e de noite se fecham para armazená-las.
“Em nosso estúdio, averiguamos esses mecanismos e tentamos aplicá-los em nossos edifícios para que gastem menos e que possam reciclar os recursos naturais que há a seu redor como vento, água e sol, da mesma forma como a natureza faz”, explica Pioz.
O resultado é que a forma final do prédio, assinala Pioz, “é muito diferente porque os edifícios que têm fontes sustentáveis de energia recebem placas solares ou algum outro elemento para economizar energia. No entanto, os edifícios que se constroem com arquitetura biónica têm aspecto orgânico, porque as geometrias usadas são muito diferentes e o aspecto é diferente”.
A primeira coisa, uma cidade deve ser “saudável”
Para Carmen Blasco, diretora da cátedra de Municípios Sustentáveis da Universidade Politécnica de Valência (Espanha), o principal requisito que uma cidade sustentável deve ter é ser saudável. “Fala-se muito de sustentabilidade em economia ou em temas ambientais, mas eu acho que é preciso começar a se pensar em uma cidade saudável”.
“Na minha disciplina o que sempre se buscou foi a higiene, muito vinculada ao avanço do urbanismo. Isso não quer dizer que haja outros requisitos que tenham que ser contemplados, como que uma cidade para que seja sustentável deveria ser mais participativa”, diz Carmen.
Para a especialista, um dos maiores problemas que temos que enfrentar nas cidades atualmente é o da mobilidade. “As cidades não são amáveis, não são agradáveis. Temos que entrar em uma loja para descansar um momento, mas quando você sai dela vamos correndo para outro lugar ou para fazer outra atividade”.
Dois fatores mais, ressalta Carmen, para que uma cidade seja sustentável “ela tem que ser atrativa e ter atividade, e isso não se consegue se a cidade não for amável nem aprazível. Para isso, é fundamental que haja um certo nível de consciência ou de cultura”.
Cultura e consciência
“Em algumas cidades, sobretudo as europeias, seus habitantes não suportam ver alguma coisa jogada no chão, enquanto em outras não nos representa nenhum trauma jogar coisas constantemente. São povoações que têm um carinho especial por sua cidade e, nesse sentido, cuidam dela. Nas segundas é como se o público não nos pertencesse e deixamos que se transforme em uma lixeira. Quando há certo nível de consciência e de cultura, um termo tão ambíguo e tão amplo como o de sustentabilidade vai se perfilando”, diz.
Para Carmen, “toda tecnologia em favor das energias limpas vai bem, mas não devemos nos deixar guiar unicamente pelas tecnologias, porque elas nos contaminaram muito. Temos lavadoras, frigoríficos, mas estes últimos afetam a mudança climática, com as emissões de CO2 e são um dos restos mais difíceis de reciclar”.
Carmen explica que a aplicação de muitas destas tecnologias se transforma no final em um círculo vicioso. “A bicicleta para mim tem muito mais sentido em uma cidade sustentável que o carro, mesmo que seja elétrico, porque influiria mais sobre a qualidade da cidade. Se o carro elétrico, no final, ficar se amontoado na frente da minha casa ou na praça do meu bairro, ele não está resolvendo o tema totalmente”.
Quanto à arquitetura ecoeficiente, para Carmen, “antes tem que passar por alguns recursos arquitetônicos que não trazem associados tecnologia, mas se trata mais de uma mudança de mentalidade, que acho que é o fundamental. Não estou dizendo um não à tecnologia, mas não nos apoiemos tanto nela como fizemos até agora, porque ela mesma se retroalimenta”.
Os prazos para construir a cidade sustentável ideal, para a arquiteta, não deveriam existir, porque atualmente já se encontram ao alcance os meios técnicos e conhecimentos necessários.
“Claro que sim, mas agora e há 50 ou cem anos também. Em temas de urbanismo o problema que temos há muito tempo é que os técnicos não decidem, os arquitetos não decidem, mas sim os poderes nos Governos é que decidem, os municípios e Prefeituras da região e os poderes econômicos são os promotores que atulharam a cidade, tornando ainda mais difícil que ela se torne sustentável”, conclui Carmen.
Fonte: Época Negócios