A alta da moeda americana, que à primeira vista seria favorável ao setor, dificultou a absorção de bens pelo comércio; sem saída, indústria se vê obrigada a negociar preços.
O câmbio que, de um lado favorece a indústria ao reduzir a competição com produtos importados, de outro está dificultando as vendas para o comércio, forçando a acumulação de estoques industriais e atrasando a tão esperada recuperação do setor.
Com o início do processo de desvalorização do real em relação ao dólar, em maio, houve um descolamento na trajetória da indústria e do comércio, que, até então, desenhavam evoluções semelhantes, como demonstram os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O fantasma da competição com os importados desapareceu, o que animou a indústria a produzir mais. “O câmbio, no entanto, pesou nos preços do varejo, que respondeu com queda nas vendas”, salienta o economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC) Bruno Fernandes.
O descolamento entre a indústria e o comércio tem entre os seus efeitos a formação de “um nível de estoque acima do padrão desejável pela indústria”, como define o gerente da coordenação de Indústria do IBGE, André Macedo. Esse é um sintoma da desvalorização do real, classificado pelo economista-chefe da corretora Gradual Investimentos, André Perfeito, como falsa solução para a indústria: “O que dá com uma mão, tira com a outra”.
O novo patamar de câmbio na casa de R$ 2,20 a R$ 2,30 causa incertezas e cria um cenário especialmente desfavorável para o varejo, diz Fernandes. Ao aumento dos custos dos importados, soma-se a alta da inflação e a deterioração do mercado de trabalho, com reflexos no rendimento e na capacidade de compra da população, segundo o economista da CNC.
“Durante muito tempo o comércio cresceu mais do que a produção industrial, o que indicava que o consumo interno não estava sendo sustentado pela indústria nacional, mas por importados.
O que passou a acontecer neste ano foi que o comércio passou a crescer bem menos, enquanto, a indústria ganhou fôlego, com a acumulação de estoques, principalmente, de bens de consumo”, analisa o economista da Unicamp e consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Gomes de Almeida.
Ele ressalta que o ideal seria que indústria e comércio desenhassem trajetória de crescimento semelhante, com variações paralelas. Mas, ao contrário do que se imaginava quando o dólar começou a subir, “o fim da importação não melhorou o cenário para a indústria”.
A formação de estoques na indústria, por sua vez, gera um efeito seguinte positivo para o comércio, como salienta o consultor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) Silvio Sales. “O fato de a indústria estar mais estocada favorece a negociação dos preços para o varejo. Embora a tentativa da indústria seja sempre de evitar essa situação”, afirma.
Sales ressalta ainda que uma alternativa para a indústria brasileira seria a exportação dos estoques, porém, não só a crise econômica internacional dificulta o acesso ao mercado externo, como a estrutura da economia brasileira é concentrada no mercado interno, o que reforça a tendência de alinhamento do ritmo dos desempenhos da indústria e do comércio. As exceções seriam os produtos agrícolas brasileiros, largamente consumidos no mercado internacional.
“O dólar alto não ajuda o Brasil se a situação estiver ruim lá fora”, acrescenta Perfeito, da Gradual Investimentos. Ele ressalta ainda que muitas empresas, inclusive do setor industrial, têm um volume expressivo de dívida em dólar, o que prejudica as finanças das companhias. Ainda assim, o economista avalia que o dólar, “assim como subiu, tende a descer” e alterar o cenário econômico nacional.
A expectativa é de melhora no mercado interno no segundo semestre deste ano, diz ainda Fernandes, da CNC. Ele não enxerga grandes surpresas vindas do câmbio daqui para frente, assim como Perfeito confia na atuação do Banco Central para segurar o dólar.
“O que vai ditar o ritmo do comércio nos próximos meses é a inflação e o mercado de trabalho. Esperamos um segundo semestre mais forte do que foi o primeiro. É claro que não teremos o mesmo resultado de 2012, quando as vendas cresceram 8%. A nossa projeção é de alta de 4%. E, com a recuperação do comércio, a tendência é também a indústria avançar”, estima Fernandes.
Fonte: iG Economia